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Eleições EUA

Populismo tem noite de gala na derrota de Biden para Trump

Presidente frágil e incapaz de lidar com mentiras é advertência para democratas do mundo todo

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São Paulo

A implosão da imagem do presidente Joe Biden em um debate de resto monocórdico com o antecessor Donald Trump, sem fatos que provocassem um nocaute clássico e inequívoco de um dos rivais, serve de advertência para os defensores da democracia.

Após quatro anos de mentiras, turbulência e a prevalência da dita narrativa sobre a realidade, a eleição de Biden trazia consigo a promessa de uma normalização.

Em um cenário azul e vermelho com a logomarca da rede CNN em vermelho, dois homens idosos estão em frente a púlpitos azulados. Na esquerda está Trump, com gravata vermelha e terno escuro, e na direita está Biden, com gravata azul e terno também escuro
Trump e Biden nos púlpitos do debate da CNN na noite de quinta - Christian Moterrosa - 27.jun.2024/AFP

Isso de fato ocorreu no cenário internacional, onde os Estados Unidos retomaram o papel de líder do Ocidente, ainda que cavalgando a Guerra Fria 2.0 contra a China proposta por Trump de forma pouco organizada em 2017.

Facilitou a vida de Biden a aguda crise provocada por Vladimir Putin na Europa, dentro dessa ótica global. A influência benfazeja de uma Casa Branca um pouco menos cínica foi vista até no Brasil, com a ação decisiva de diplomacia americana no apoio ao processo eleitoral ameaçado por Jair Bolsonaro (PL) em 2022.

Por evidente, não há almoço grátis nem caridade nas relações internacionais, e o Departamento de Estado até hoje não perdoa Lula (PT) por sua ingratidão ante Biden, demonstrada na retórica antiamericana clássica da esquerda latino-americana que o presidente reanimou em seu terceiro mandato.

O problema do democrata foi seu fracasso em apresentar soluções para questões como a imigração, além de fracassar em convencer o público doméstico de ações até aqui corretas na economia. Pior, não soube lidar com a força do outro lado na polarização brutal que assola os EUA.

Some-se a isso a fragilidade que reforçou os argumentos acerca da incapacidade física e mental do presidente, e a receita para o desastre da noite de quinta (27) estava dada.

Biden podia ter razão na maioria de seus argumentos, muitos bastante sensatos. Numa situação normal, teria perdido o debate por pontos. Mas ficou atônito ante a muralha de fogo e fúria do trumpismo, encarnada pelo pai da matéria. A previsibilidade do chefe da Casa Branca pode agradar a líderes europeus, mas o eleitor americano quer sangue.

E isso o ex-presidente ofereceu aos borbotões, na forma de mentiras crassas sobre qualquer item da pauta do debate, o desassombro na hora de fugir das perguntas mais incômodas. A rigor, nada disso deveria abater um Biden enérgico, afiado, mas aí a figura esquálida apresentada pôs tudo a perder.

Fica evidente que a candidatura do democrata foi um erro estratégico do seu partido, que agora se vê num mato sem cachorro. Se seguir com o presidente, arrisca uma derrota histórica. Se o largar, idem, dado que a soberba do poder impediu Biden de preparar uma pessoa para sucedê-lo —a vice, Kamala Harris, desapareceu no cargo.

A pressão para a retirada de Biden, normal neste momento imediato de pânico pós-debate, pode ou não tornar-se um movimento, especialmente quando as pesquisas sobre o embate colocarem em números o que é percepção política.

O que ocorre nos EUA interessa ao mundo todo, não só pela importância nominal do principal país do Ocidente. Como em 2016, Trump era parte central de uma onda, surfada por personagens como Bolsonaro, o filipino Rodrigo Duterte ou o húngaro Viktor Orbán.

Essa vaga quebrou na praia da governança, com efeitos diversos. Nos EUA e no Brasil, foi vencida sequencialmente pela ideia de normalização —Lula venceu o antecessor em 2022 com um voto de rejeição ao então presidente, e no olho mecânico.

Na Europa, o renascimento do populismo expresso na recente eleição para o bloco continental está sendo pautado, curiosamente, por uma tentativa de acomodação ao centro dos radicais.

Críticos apontarão oportunismo e cinismo evidentes, mas é fato que Marine Le Pen está se esforçando para virar uma Giorgia Meloni, estrela desse movimento de transformação. O que acontecerá quando e se chegar ao poder, essa é outra história.

Nos EUA, Trump não precisa de nada disso. Pendurado em processos judiciais e mentindo como nunca, só contou com a impotência da política tradicional, estampada no desastre de imagem de Biden. O populismo mundial teve uma noite de gala.

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